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Fediverso e suas restrições

Um relato pessoal sobre meus movimentos por instâncias, demonstrando as forças e fraquezas da descentralização.

Minha primeira conta no Fediverso não foi feita por conta de eu ver valor em uma proposta de descentralização.

Eu simplesmente sempre gostei de participar de redes alternativas, como Skittlr, Imzy e fóruns temáticos, visto que redes comuns me davam uma obrigação social de adicionar pessoas da família e da escola e, sendo uma pessoa grisplatônica, não me interessava ver conteúdos compartilhados pela maioria delas. Além disso, redes que me deixavam mais visível também tinham problemas com assédio, algo que me afastou do Orkut por volta de 2007 e do Twitter por volta de 2015. Portanto, quando a Mídia Capoeira, que eu acompanhava pelo Telegram, falou sobre uma alternativa ao Twitter chamada Quitter, eu não vi motivo pra não experimentar.

Ou seja, minha primeira conta no Fediverso foi na mesma instância do que a da Mídia Capoeira, que aliás parou de postar pouco tempo depois de eu ter entrado. Também não foi uma conta de Mastodon: Quitter ou Qvitter é fork de GNU Social, uma rede de microblogging que na época usava OStatus (ao contrário de ActivityPub). Mastodon começou como um software que usava OStatus, então era compatível, mas após passar a ser de ActivityPub e de implementar coisas que pessoas consideravam questões de segurança, tinha muita coisa no Mastodon que era diferente da minha instância.

Por exemplo:

  • Minha instância não tinha avisos de conteúdo embutidos. Se eu quisesse avisar sobre algo, teria que ser que nem no Twitter.
  • Eu não lembro se haviam opções de privacidade diversas. É possível que não.
  • Eu não lembro se tinha como colocar descrição de imagem. É provável que não.
  • Minha instância tinha uma pesquisa de todas as postagens conhecidas. Aliás, por mais que eu não ache uma boa ideia implementar isso numa instância grande, foi algo fundamental pra eu ter descoberto o Mastodon tão rápido quanto eu consegui (já que muita gente no Mastodon não usava hashtags, especialmente naquela época).

Foi na busca por texto que consegui achar contas interessantes pra acompanhar. Pesquisei por termos relacionados a questões NHINCQ+ e de justiça social, e fui achando postagens relevantes. Talvez não tão interessantes como as que tinham na minha linha do tempo no Tumblr, e também não achei ninguém usando a língua portuguesa pelas minhas buscas, mas enfim.

Eu percebi que, clicando no perfil das pessoas, páginas eram abertas em domínios diferentes, e, na época, haviam avisos explicando a situação.

Texto traduzido: “Dar-EE-us Kazem-EE é ume usuárie em dolphin.town. Você pode seguir ou interagir se você tiver uma conta em qualquer lugar do fediverso. Se você não tem, você pode se registrar aqui.” (Captura de tela daqui; é a única instância que conheço que ainda usa a versão 2 do Mastodon.)

O que eu fui percebendo também era como outras instâncias eram mais interessantes. Elas tinham temas e propostas além de serem alternativas ao Twitter. Além disso, as poucas contas na minha instância não eram muito interessantes. Tinha a Mídia Capoeira, cada vez mais inativa; uma conta chamada Poder Obrero, que postava principalmente notícias sobre greves na língua espanhola. Tinham outras contas e eu sequer me lembro do que se tratavam.

Por conta do que eu lia nas contas que acompanhava no Mastodon, decidi fazer uma conta em kitty.town. Pra quem não conhece, a pessoa que fundou a instância (e que, na época, a administrava) tinha sido perseguida por nazistas e outres reaças, mas também teve diferenças com Gargron e por isso não ficou em mastodon.social. Kitty Town era (ainda é) uma instância baunilha pequena com pessoas antifascistas postando sobre suas vidas e que não passavam pano pra questões de discriminação.

Ao começar a postar lá na língua portuguesa e pesquisar por ali, descobri masto.donte.com.br e masto.pt, assim como pessoas lusófonas em instâncias aleatórias como tootplanet.space (que não existe mais) e vulpine.club. Mesmo assim, comecei a achar um monte de gente pra acompanhar anglófona também, e era essa a maior parte da minha experiência.

Com o tempo, eu passei a achar meio esquisito ser a única pessoa falando a língua portuguesa nas linhas do tempo públicas, ainda mais quando a instância era pequena e deviam ter menos de 10 pessoas diferentes na linha do tempo por dia. Também não queria incomodar a administração com pedidos para emojis, mas achava que o conjunto básico de bandeiras era bem limitante. Ao mesmo tempo, não queria entrar em masto.donte.com.br, porque já tinha percebido que instâncias genéricas eram uma ideia ruim e achei que ficaria ainda mais deslocade lá.

Eu falei com Isa (@QueerNeko@colorid.es) sobre a possibilidade dila conseguir manter uma instância de Mastodon, e ila gostou da ideia. Então eu mantive minha conta em Kitty Town pra assuntos anglófonos, mas passei a usar mais minha primeira conta em colorid.es (ela tem um nome que eu não uso mais, e eventualmente mudei de conta lá dentro para Aster; por isso a incoerência entre datas entre minha conta e a fundação da instância).

A administração de Kitty Town sempre foi bastante proativa em bloquear instâncias. Isso era bom em questão de que quase nunca cheguei a ver porcarias em qualquer linha do tempo. Mas, uma vez ou outra, pessoas sumiam da minha linha do tempo por conta de questões… chatas, mas não necessariamente de assédio ou discriminação. Isso não é exatamente uma reclamação, é só uma consideração que me faz pensar na questão de pular logo pra suspender contas e, especialmente, instâncias. Mas, assim, eu acho que nunca cheguei a perder contato. Era só questão de “ah, essa pessoa aqui postava coisas interessantes, mas agora não posso mais acompanhar”. Nunca perdi conexões com gente com quem eu realmente conversava, e quem realmente me marcava eu lembrava o suficiente para poder acompanhar a conta por colorid.es.

Eu não acho que microblogs em uma rede social de softwares pesados e mantidos por gente que muitas vezes não tem muita grana são uma boa forma de preservar conteúdo ou contato, de qualquer forma. O que eu escrevo no Mastodon talvez seja mais acessível a quem já está por lá do que links externos, mas, a longo prazo, acho que faz mais sentido manter contato em múltiplos lugares caso existam relações próximas entre as partes e ter páginas ou ao menos blogs que organizem dicionários, listas, tutoriais e outras informações relevantes de forma que facilite para quem precise conferir seus conteúdos no futuro.

Enfim, eventualmente eu cansei das limitações de Kitty Town - não me importava tanto com os bloqueios mesmo que eu preferisse que alguns não tivessem sido feitos, mas o limite de 500 caracteres e uma base de usuáries que em geral não me interessava muito me incomodavam - então entrei para a instância monsterpit.net (que depois virou the.monsterpit.net e depois sumiu de uma hora pra outra por conta de burnout).

Monsterpit era uma instância radicalmente diferente de Kitty Town, ainda que tivesse mais ou menos os mesmos valores. Ela mantinha seu fork próprio que não só era glitch-soc como também tinha temas próprios, assinaturas (para facilitar para quem é plural) e uma porção de outras coisas. Sua linha do tempo local era, em sua maioria, pessoas falando sobre fetiches de nicho, sendo que tudo tinha aviso de conteúdo, então eu raramente postava nas linhas do tempo públicas, mas adorava poder ver coisas que eu só via em espaços bem opressivos sendo discutidas e contempladas de pontos de vista trans, alterumanos e afins.

Eu podia acompanhar pessoas que tinham sido bloqueadas de Kitty Town de novo em Monsterpit… por um tempo. Mastodon.social, por exemplo, era inicialmente silenciada quando fui pra Monsterpit (tendo sido bloqueada por kitty.town fazia tempo), mas, depois de um episódio de capacitismo pela moderação (o que levou colorid.es a silenciar mastodon.social), já era a instância de novo. Oh well.

Novamente, isso não era tanto um problema. Muita gente saía de mastodon.social (e mais tarde .online) ao ver que era uma instância geral e mal moderada demais pra pessoas mais marginalizadas. As pessoas que insistiam em ficar lá por conveniência ou ter mais gente geralmente eram pessoas com blogs ou contas de YouTube que eu tinha como acompanhar por RSS.

O que foi um problema foi o que já dei spoiler lá em cima: a instância caiu do nada, sem ter como fazer backups ou migrar. Daí mudei minha conta geral anglófona para plush.city (embora ainda pense na possibilidade de mudar ela de lugar). Nesse ponto eu já tinha uma conta específica para questões queer em queer.party, que também eventualmente mudei para lgbtqia.is (que não existe mais) e depois para vulpine.club. Então não comecei do zero, entre minha conta em queer.party, minha conta em colorid.es e a lista que eu tinha exportado de kitty.town quando migrei de lá, mas, ainda assim, tem umas pessoas que não devo ter conseguido acompanhar de volta e várias pessoas que eu via na local de Monsterpit que eu nunca mais vi.

Mesmo assim, novamente, eu não perdi nenhum contato com quem realmente conversava.

O ponto disso tudo é que, se o uso de uma rede social é por lazer, e não há aprendizados ou conexões importantes ali, não faz sentido teimar muito com a ideia de que duas instâncias precisam manter contato. Além disso, como o Fediverso é descentralizado, ao mesmo tempo que é mais fácil começar “do zero” em outra instância e achar as pessoas com quem contato foi perdido, também é mais fácil que as conexões se cortem por um servidor cair ou por bloqueios entre servidores.

Também acho que se o propósito de alguém é convencer pessoas a aprender sobre opressões ou tomar certo rumo político dentro do Fediverso, especialmente em relação a pessoas que não são receptivas à ideia, não faz muito sentido depender de instâncias à esquerda que tentam proteger sues usuáries. Essas instâncias tendem a bloquear as que permitem “vários pontos de vista” quando estes são danosos a pessoas marginalizadas. Mas daí tem a vantagem de poder ter várias contas: dá pra falar com gente mais ao centro em lugares como masto.ai e mais à direita em lugares como shitposter.club, se é essa a ideia. Também acho que pessoas das instâncias amigáveis a estas ou outras similares devem ser mais receptivas a quem está em tais instâncias do que quem está em, por exemplo, servidores visivelmente anarquistas, comunistas ou de grupos marginalizados.

As contas de servidores sem muita moderação ou com moderação reaça provavelmente não vão ter contato com servidores que se preocupam mais com justiça social. Mesmo assim, acredito que seja até saudável ter uma separação entre uma conta feita pra educação ou outra forma de ação e uma conta pessoal onde dá pra fazer amizades genuínas e evitar encarar reaças. E acho isso bem mais maravilhoso do que uma liberdade total entre todos os servidores.