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Identidades não-binárias e gramática

Um texto explicando que classes gramaticais aplico a cada identidade de gênero, e outras coisas do tipo.

Quero começar avisando que esta postagem não é sobre neolinguagem ou sobre linguagem pessoal. Se alguém veio parar aqui porque quer entender como se usa o pronome elu ou o que significa -/ele/e ou qualquer coisa assim, recomendo checar os links daqui. Para um link só mais completo, eu mesme já escrevi um grande texto sobre o assunto aqui.

Mesmo assim, recomendo que leitóries em potencial desta postagem saibam como são aplicados conjuntos no estilo artigo/pronome/terminação, e saibam vocabulário básico sobre cisdissidência (o que é trans, o que é cis, o que é não-binárie, etc). Além dos links acima, respostas para isso podem ser achadas aqui, aqui e aqui.


Esta postagem é sobre o uso de termos relacionados a identidades não-binárias, em relação às suas classes gramaticais, à presença ou ausência de flexões em finais de palavra/terminações/desinências e a como combinar ou explicar termos. Minha ideia aqui é explicar o que eu faço quando uso tais termos, que também coincide com a forma que outras pessoas usam tais termos, e, muitas vezes, com a forma que outras pessoas se sentem mais respeitadas ao falar destes termos.

A língua evolui, e é possível que no futuro existam outras formas mais respeitosas ou aceitas de usar os termos que estarei mencionando aqui. Minha intenção não é impor um padrão, e sim facilitar o entendimento de como uso certos termos, além de ajudar a entender os motivos para usar certos termos de certas formas.

Terminologia básica

Substantivos são, resumidamente, palavras que são nomes de coisas, pessoas, conceitos ou fenômenos. Exemplos de palavras que geralmente são substantivos são pessoa, água, amizade, gênero e cineasta.

Adjetivos são, resumidamente, palavras que atribuem características a substantivos. Exemplos de palavras que geralmente são adjetivos são feliz, impessoal, comum, distante e urgente.

Prefixos são, resumidamente, partes de palavras que mudam o sentido de outras palavras quando são colocadas antes delas. Por exemplo, a palavra inútil junta o prefixo in, que indica negação, à palavra útil, e assim forma uma palavra que significa “algo que não é útil”.

Sufixos são, resumidamente, partes de palavras que mudam o sentido de outras palavras quando são colocadas depois delas. Por exemplo, as palavras criançada e papelada juntam as palavras criança e papel ao sufixo ada, que indica abundância, formando assim palavras que significam, respectivamente, “muitas crianças” e “muitos papéis”.

Finais de palavra ou terminações não são classes gramaticais formais, mas se referem à parte de um conjunto de linguagem que é aplicada no final das palavras quando elas mudam com base em conjuntos de linguagem, como em amada/amado/amade/amady, jardineira/jardineiro/jardineire/jardinêiri ou ótima/ótimo/ótime/ótimae.

Me refiro a palavras assim como palavras com finais de palavra flexíveis (ou com terminações flexíveis, ou com finais flexíveis).

Termo se refere a uma palavra ou um conjunto de palavras que significam algo específico. Por exemplo, homem não-binárie pode ser um termo só, que se refere a uma pessoa não-binária que tem alguma experiência relacionada a gênero comum a ser homem (resumidamente). Eu uso termo para falar de palavras que descrevem identidades ao invés de só usar palavra porque há casos como esse, onde o termo é composto por mais de uma palavra.

Identidade é, resumidamente, tudo o que pode distinguir alguém de certos grupos enquanto coloca a pessoa dentro de um grupo com características semelhantes. Identidades não se resumem a identidades de gênero ou a identidades NHINCQ+; ser gótique pode ser uma identidade, ser artista pode ser uma identidade, ter olhos castanhos pode ser uma identidade. Identidade não se resume a características permanentes e nem a características escolhidas. Também não se resume a identidades que podem ser colocadas em eixos de privilégio e opressão.

Porém, neste texto, estarei falando mais de identidades de gênero e de identidades [de gênero] não-binárias.

Identidade de gênero é como a pessoa se percebe em relação às identidades de gênero existentes em sua sociedade. Existem identidades de gênero que podem ser classificadas como gêneros, como homem, mulher, maverique e juxtaneu; existem identidades de gênero que demonstram uma distância do conceito de gênero, como apogênero; existem identidades de gênero que demonstram indeterminação de gênero, como quoigênero e pomogênero; existem identidades de gênero que demonstram a presença de mais de um gênero, como poligênero, e por assim vai.

Uso o termo identidade de gênero para respeitar que algo como apogênero não é um gênero, e sim um termo que especifica que a pessoa se vê como completamente removida do conceito de gênero. Ou para respeitar que bigênero não é um gênero, e sim um termo para pessoas que possuem dois gêneros.

O termo identidade de gênero tem sido criticado ultimamente por ser somente usado no contexto de cisdissidência. Ou seja, como muita gente usa o termo como se pessoas cis só tivessem gênero, enquanto pessoas trans possuiriam identidade de gênero, a resposta de muitas pessoas trans monogênero (que possuem apenas um gênero) foi que “é pra usar sempre gênero e nunca identidade de gênero”. Porém, isso é um problema quando muitas pessoas não possuem gênero, ou descrevem suas identidades que dizem respeito a como (não) experienciam ou querem demonstrar gênero(s) com termos que não podem ser adequadamente categorizados como “um gênero”.

Ainda assim, é comum ver o uso coloquial de gênero para descrever identidades como sem gênero, poligênero e etc. Só estou explicando que o motivo que uso identidade de gênero e não só gênero tem a ver com incluir mais termos relacionados a (ausência de) experiências de gênero. Considero que tanto uma mulher cis quanto uma mulher trans possuem a identidade de gênero mulher, mas que em seus casos é possível dizer apenas que são mulheres, ou que possuem o gênero mulher.

Identidades não-binárias, por sua vez, se refere a identidades de gênero que não são somente, completamente e sempre homem, ou somente, completamente e sempre mulher. Qualquer pessoa que não é somente, completamente e sempre algum dos gêneros binários pode se dizer não-binária, mas também reconheço que muitas pessoas que se encaixam na definição não se consideram não-binárias pelos mais diversos motivos.

Não-binárie, modalidades de gênero e outras identidades que usam gênero como sufixo

Considero que não-binárie funciona melhor como adjetivo. Modalidades de gênero, como cis, trans, iso e ulter, também.

Exemplos:

  • Aquela pessoa é não-binária.
  • Sou transgênero.
  • Ele é um homem cis.
  • Você conhece algum grupo para pessoas isogênero?

Embora exista muita gente que use tais palavras como substantivos, ao menos algumas pessoas não-binárias consideram o uso de “es não-bináries” ou similar como algo que incomoda ou ofende.

Sobre o caso de modalidades de gênero, não consegui encontrar nenhum texto em português explicando o uso delas como substantivo, ou apontando para qual é a classe gramatical mais usada ou menos ofensiva. O máximo que encontrei foi o artigo Transgénero da Wikipédia, que coloca o uso do termo como adjetivo com base em três fontes em inglês sobre o assunto (GLAAD, Creative Loafing e The Guardian).

Curiosamente, no site Dicio, o termo cisgênero está apenas como adjetivo, enquanto o termo transgênero está como adjetivo e substantivo. Isso é possivelmente por conta da quantidade de usos de construções como “o transgênero” ou “os trans” que podem ser encontradas por aí, e que não são encontradas quando se falam de pessoas cis por conta de, talvez, elas verem isso como um ato de desrespeito.

Por tudo isso, considero que modalidades de gênero são adjetivos.

Também considero que são palavras sem flexão de final de palavra. A palavra gênero é, em geral, a mesma quando se fala do gênero de alguém que usa o/ele/o e do gênero de alguém que usa a/ela/a, e palavras formadas por prefixo + gênero (transgênero, ipsogênero, aporagênero, quoigênero, etc.) estão expressando algo como “uma experiência relacionada a gênero que é assim”. Assim, uso qualquer palavra terminada em gênero como um adjetivo sem final de palavra flexível. Também não flexiono seus prefixos.

Exemplos:

  • Por que pessoas cisgênero agem assim?
  • Ela é uma pessoa trans.
  • Elu é pomogênero e usa e/elu/e.
  • Elus são de um grupo de pessoas ultergênero.
  • Aquela comunidade é só para pessoas iso, ou é para pessoas cisdissidentes em geral?
  • Nil usa -/ily/y. Ily é aporagênero, mas prefere só se dizer ápora na maior parte dos casos.

Eu sei que existem pessoas que, mesmo usando palavras terminadas em gênero como adjetivos, flexionam tais palavras, como em “pessoas transgêneras” ou em “elu é agênere”. Acho que a justificativa que me deram era que adjetivos terminados em o geralmente são flexionados (adjetivos como meigo, intrínseco, austero e aleatório definitivamente se referem a pessoas/seres/coisas cujas terminações são o).

Pessoalmente, acho que há uma justificativa boa o suficiente para sempre usar [prefixo]gênero, sem flexionar, mas não considero que usar flexões neste caso seria um ato de desrespeito ou qualquer coisa assim. Por mim, cada pessoa pode escolher, desde que não fiquem oscilando de forma suspeita (ex. escrever que homens trans são pessoas transgêneras enquanto mulheres trans são transgênero).

Identidades de gênero que usam gênero como prefixo

Uma das traduções feitas mais cedo de termos não-binários modernos é gênero-fluido, uma tradução de genderfluid que aparece na Wiki Identidades (link). Esta foi possivelmente a primeira tradução de algum termo como gênero-[palavra].

O hífen, na língua portuguesa, é permitido em casos onde a justaposição forma uma nova identidade semântica. Como gênero-fluido é um termo específico para descrever uma identidade de gênero, e não apenas a caracterização de um gênero como fluido, acredito que não haja problema em usar o hífen, ao invés de separar as palavras.

Para que termos sejam mais fáceis de serem lidos e entendidos da mesma forma que alguém cuja lingua principal é a inglesa entenda os termos originais, termos formados por [palavra em inglês]gender ou por gender[palavra em inglês] foram traduzidos como gênero-[palavra em português]. Stargender virou gênero-estrela, colorgender virou gênero-cor e genderfree virou gênero-livre.

Em casos onde haveria um final de palavra flexível, considero que tais finais são relacionados à palavra gênero, que usa o/ele/o. Portanto, uso gênero-fofo (ao invés de gênere-fofe ou gênero-fofe), gênero-vago, gênero-sonolento e afins.

Assim como considero palavras como pomogênero e aporagênero adjetivos, também considero palavras como gênero-fofo e gênero-cor adjetivos. Além disso, considero que seus finais não são flexíveis. Exemplos:

  • Quero me abrir mais sobre ser uma pessoa gênero-fofo.
  • Existe alguma comunidade para pessoas gênero-cor?
  • Acho que a Cami é gênero-fluido, ainda que ela sempre use a/ela/a.
  • Será que sou ume homem, gênero-vago, ume andrógine ou gênero-livre?

Termos sem gênero no nome

Homem e mulher geralmente são substantivos. Provavelmente por conta disso, e pela facilidade de dizer só “[gênero]s” ao invés de “pessoas [gênero]”, muitos outros termos tentam funcionar desta maneira também.

Maverique é tanto adjetivo quanto substantivo.

Andrógine (a identidade de gênero, que vem de androgyne) já era uma palavra usada como substantivo há muito tempo, ainda que também exista o adjetivo com final de palavra flexível andrógine (que vem de androgynous) que é equivalente às palavras feminine e masculine, ao invés de ser equivalente às palavras homem e mulher.

Existem algumas cunhagens que especificam se o termo é um adjetivo ou um substantivo. Nímise é um adjetivo, enquanto nim é um substantivo. Punque pode ser tanto uma descrição quanto um substantivo.

Mesmo assim, a maioria destes termos acabam sendo usados como substantivos, mas sem finais de palavra flexíveis com a exceção de singular/plural; ume juxera, umes nonvirminas, e autonomique, es nixvirs/nixvires.

As exceções a isto são termos cujas versões na língua inglesa terminam em -ic ou -ian, e que assim são traduzidos como terminados em -ique ou -iane, mas com finais de palavra flexíveis (jupariane/jupariano/jupariana/juparianae/juparianel, níxique/níxica/níxico/níxiqui/níxicu, etc).

Eu considero tais termos adjetivos, simplesmente porque é o que mais parecem ser, para mim. Mas não tenho certeza se há um consenso a respeito disso.

Quanto a plurais, pessoalmente gosto de seguir certos padrões da língua portuguesa (hostil → hostis, femil → femis; nadir → nadires, proxvir → proxvires), porém certamente não me importo se outras pessoas quiserem só colocar um s no final das palavras ou algo assim.

Combinando termos

Trocando gênero por outro termo

Muitas vezes, a palavra gênero pode ser trocada por outra, para especificar melhor como alguém experiencia sua identidade de gênero.

Alguém demigênero é parcialmente algum gênero. Mas qual gênero?

Alguém demiandrógine é parcialmente andrógine; alguém demiagênero é parcialmente agênero; alguém demi-homem (porque há hífen quando o prefixo termina em vogal e o sufixo começa com H) é parcialmente homem.

Alguém gênero-fluxo tem ao menos um gênero que muda de intensidade. Assim, alguém mulher-fluxo tem um gênero mulher que muda de intensidade, alguém aporagênero-fluxo tem um aporagênero que muda de intensidade e alguém nímise-fluxo possui um gênero nímise que muda de intensidade.

E agora, tais palavras são adjetivos ou substantivos?

Eu considero que a classe gramatical utilizada deve ser a do termo que agora “está dentro” do outro termo. Então, por exemplo, como considero agênero um adjetivo, também considero demiagênero ou agênero-vago adjetivos. Como maverique é um substantivo ou um adjetivo, acho que dá pra dizer tanto que alguém é ume demimaverique quanto que alguém é uma pessoa demimaverique (embora eu prefira a primeira opção). E como homem é um substantivo, eu trato palavras como demi-homem ou homem-fluxo como substantivos.

Ah é, no caso de termos que não usam hífen do tipo “gênero [adjetivo]”, é possível usar apenas o adjetivo, como em demiliminar para combinar demigênero e gênero liminar ou neutre-cinza para combinar gênero neutro e gênero-cinza.

O problema de meninas e meninos

Uma grande quantidade de pessoas assumidamente não-binárias na internet é jovem, e portanto não se considera adulta o suficiente para usar termos derivados de homem ou mulher quando se aplicam às suas identidades de gênero. Além disso, também existem pessoas adultas que veem homem e mulher como palavras com marcações de gênero mais fortes do que palavras como menina ou menino.

A questão é, ao contrário da língua inglesa, onde os termos para as versões jovens de homem e mulher são palavras diferentes entre si (boy e girl), na língua portuguesa, a maior parte das palavras que usamos são apenas a mesma palavra com final de palavra trocado (guri/guria, menina/menino, garota/garoto, etc). Existe rapaz/rapariga, mas tais palavras raramente são usadas no português brasileiro, com rapariga tendo conotações que podem ser indesejadas.

Então, o que alguém faz caso se sinta jovem demais para se dizer demimulher ou homem-fluxo?

Sinceramente, eu considero que palavras como garota e menino, no contexto destes termos, não se refere a alguém que usa tal final de palavra, e sim a ter uma versão do gênero homem ou mulher. Não acho que faz muito sentido alguém querer se dizer demimenina por usar a/ela/a sem que seu gênero seja mulher ou algo similar o suficiente a isso; se não for, não seria melhor a pessoa usar demimaverique, demiproxvir ou seja qual for o seu gênero?

Ainda assim, não houve muita discussão sobre o assunto, muito menos com quem usa termos como garoto-fluxo ou demiguria, então é algo que estou aberte a mudar de opinião sobre.

Combinações que não trocam gênero por outro termo

Algumas pessoas podem não querer substituir gênero pela identidade de gênero em questão, ou podem não poder fazer isso por conta de estarem usando palavras que não contém gênero em seu sufixo ou prefixo.

Então, por exemplo, podem haver pessoas se descrevendo como andrógines agênero, homens gênero-fofo, juxeras gênero-fluxo, maveriques poligênero, femis juparianes e afins.

Muitas vezes, isso significa que o segundo termo é especificado pelo primeiro termo. Alguém que é ume juxera gênero-fluxo provavelmente tem um gênero juxera que muda de intensidade.

Isso também pode significar que o segundo termo é a identidade de gênero principal, enquanto o primeiro termo ajuda a informar mais sobre a identidade da pessoa, de forma que pode ou não ter relação direta com o gênero em si. Por exemplo, alguém que é ume maverique poligênero pode ter maverique como seu gênero mais forte ou importante ainda que tenha vários outros gêneros, enquanto alguém que é ume andrógine agênero pode não ter gênero mas sentir alguma ligação com o conceito de ser andrógine.

Os dois termos também podem informar um ao outro para formar uma ideia mais completa da identidade de gênero. Ume femil jupariane pode ser alguém cujo gênero é mulher sem feminilidade e com masculinidade, mas tal masculinidade é percebida como uma energia celestial masculina que muda de intensidade de tempos em tempos.

Algumas vezes, a pessoa pode também estar informando uma multiplicidade de gênero. Por exemplo, alguém pode se dizer homem gênero-fofo por ter os dois gêneros, ainda que separados.

Como deu pra entender, estas combinações podem ser meio vagas, e cada pessoa pode ter explicações diferentes para utilizá-las. Ainda que seja possível pesquisar pra saber o quão comum é cada uso desse tipo de combinação, não é possível afirmar que todas as pessoas usando mais de uma palavra para suas identidades de gênero estão certamente usando-as de tal maneira.

Em relação a quem tem mais de um gênero, ou uma identidade de gênero informada por outros gêneros, eu pessoalmente uso o termo central e depois as identidades de gênero que informam tal termo central, geralmente separadas por barras. Acho que é uma boa forma de expressar tais identidades.

Por exemplo, posso falar de uma pessoa que tem dois gêneros, sendo eles andrógine e femil, como bigênero andrógine/femil, ou de uma pessoa que tem um gênero entre nímise, gênero-estrela e aporagênero como centrigênero nímise/gênero-estrela/aporagênero. Também posso descrever uma pessoa cuja identidade muda de tempos em tempos entre agênero, punque e mulher como gênero-fluido agênero/punque/mulher.

A ordem pode depender de qualquer coisa. Uma pessoa pode querer colocar a identidade mais presente primeiro, ou pode não se importar com a ordem, ou pode colocar as identidades em ordem alfabética. Alguém que quer colocar porcentagens pode fazer isso também, como em trigênero 30% proxvir/50% mulher/20% autonomique.

Uma identidade, mais formas de expressá-la

Demigênero-fluido e demifluide são a mesma identidade. Mas por que deixei demifluide com e no final?

Considero que, no primeiro termo, fluido descreve o gênero (e portanto usa o final de palavra associado com gênero), enquanto no segundo termo, não há o que descrever, e um final de palavra só será definido de acordo com o contexto (uma pessoa demifluida, um símbolo demifluido, etc).

O mesmo vale para outras identidades assim, como escorpifluide/gênero-Escorpião-fluido.

Gênero-fluido ou gênero-fluído?

Fluído e fluido são palavras diferentes, com base em sua acentuação. Uma se refere a algo que fluiu e deriva do verbo fluir, e outra se refere a um líquido viscoso (substantivo) ou a algo que remete a um líquido (adjetivo).

Fluid significa as duas últimas coisas na língua inglesa. Já vi o conceito de ser “fluid” ser tanto comparável a ter um gênero que funciona como um líquido quanto a simplesmente um gênero que mudou. Portanto, não vejo nem gênero-fluido e nem gênero-fluido como uma grafia incorreta.

Quando se trata de palavras como demifluide e fluxofluide, também é possível acentuar e fazer referência ao verbo, sendo que o final de palavra continua flexível pelo verbo fluíde estar na forma particípio. Ou seja, assim como alguém pode estar correte, correta ou correto, alguém pode se dizer fluíde, fluído ou fluída (ou fluídae, fluídel, fluídi, fluídy, fluídu, etc).

Porém, o substantivo em si é apenas fluido, sem terminação flexível. Isso significa que se alguém quiser fazer uma referência específica a sua identidade de gênero ser um líquido (substantivo), e não como um líquido (adjetivo), a pessoa pode usar demifluido ou fluxofluido, mesmo que seu final de palavra não seja o. Acho que ainda seria (ou poderia ser) um adjetivo, porém, e funcionaria de forma similar a algo como transgênero ou quoigênero (que uso como adjetivos, mas que partem de um substantivo terminado em o).

O que quero dizer quando uso “um xenogênero”, “uns aporagêneros”, etc.

Algumas pessoas poderiam ver “um xenogênero” e achar que é a mesma lógica de quando alguém diz “um transgênero”, mas eu uso isso de forma diferente (e já vi outras pessoas fazendo isso também).

Uso palavras como xenogênero, gênero-cor, estetigênero, aporagênero e afins como substantivos quando estou falando especificamente dessas identidades como categorias de identidades de gênero, e não como pessoas específicas.

Ou seja, da mesma forma que eu posso dizer homem é um gênero, eu diria maverique é um aporagênero ou jupariane é um xenogênero.

Acho que eu sou xenogênero e acho que eu tenho um xenogênero são frases que falam praticamente a mesma coisa, mas xenogênero é adjetivo na primeira frase por ser uma característica aplicada a mim (eu), e substantivo na segunda frase por xeno ser uma característica de gênero, ao invés de xenogênero ser uma característica aplicada a mim.

(Não sei se consegui explicar bem, isso é o máximo que consigo fazer.)

Também já vi pessoas dizendo coisas como finverique é um bigênero, por ser um termo para uma identidade composta por dois gêneros. Pessoalmente, não gosto muito de usar um [identidade] para termos que não foram feitos para ser um (1) gênero, como agênero, gênero-fluido, bigênero ou poligênero, a não ser talvez que sejam termos explicitamente feitos para categorias como estes aqui, mas também não é algo que chega a me incomodar; quem poderia se incomodar são pessoas não-monogênero, e não sei da opinião de nenhuma a respeito disso.

Substantivos para se referir a pessoas não-binárias

Para terminar o texto, gostaria de falar sobre algumas das propostas para termos que podem ser usados como substantivos para se referir a pessoas não-binárias, para que possa ser algo mais curto e casual, sem ser algo potencialmente ofensivo como o uso de não-bináries como substantivo.

Termos neutros

Menine, moce (ou moçe) e afins são termos que não recomendo usar somente para se referir a pessoas não-binárias; não só são termos para pessoas jovens, como também não são exclusivos a pessoas não-binárias (supondo que a ideia seja usar o final e como neutro de forma que cobre pessoas cuja linguagem é indeterminada).

Elegial é uma proposta de termo neutro para dama e cavalheiro cunhada na língua inglesa, mas que também foi elogiada por pessoas lusófonas. Porém, a postagem fala que o termo é neutro, e portanto não se refere necessariamente a pessoas não-binárias.

Fora isso, há uma série de substantivos que podem ser usados para (quase) qualquer ume, como indivíduo, pessoa, ser, camarada, amizade ou colega. Porém, dependendo do contexto, algumas ou várias dessas palavras podem ser inapropriadas para se referir a alguém.

Termos exclusivos para pessoas não-binárias

Enebê seria uma versão aportuguesada de enby. Nunca vi ninguém usando sem ser pra apontar a possibilidade, mas acho que funciona bem.

Batata ou batatinha são termos que já vi sendo usados como gírias pra pessoas não-binárias, mas sinceramente acho que muita gente nunca soube disso e ficaria confusa.

Xeumel, e sua versão encurtada xeu, são palavras feitas especificamente para substituir o termo pessoa não-binária. Sua cunhagem também ocorreu na anglosfera, mas o termo foi mencionado no Fórum Orientando aqui.

A pessoa que cunhou xeumel também especificou os seguintes termos:

  • Xeamel para pessoas não-binárias femininas;
  • Xaimel para pessoas não-binárias masculinas;
  • Xaemel para pessoas femininas e masculinas ao mesmo tempo;
  • Neumel para pessoas gênero neutro;
  • Xomel para pessoas completamente sem gênero.

Acho que xaimel e xaemel seriam palavras pronunciadas da mesma forma na língua portuguesa, a não ser que algo como xaímel/xaêmel seja especificado. De resto, acho que o sistema ou ficaria meio incompleto (cadê termos para pessoas de identidades de gênero indeterminadas? Ou xenogênero? Ou aporagênero? Ou com vários gêneros…) ou ficaria complexo demais para decorar.

De qualquer forma, xeumel parece uma palavra fácil o suficiente pra decorar.

Existem outras palavras cunhadas na anglosfera para abreviar nonbinary (não-binárie) sem ser enby, como nonbin, nonbi, nonar, nibun, enban enbi, enbe, enbee, enbin, bee, omen e neu. Acho que algumas não funcionam bem em geral (como bee ou omen, que também possuem outros significados na língua inglesa, ou neu, que parece referenciar neutralidade acima de outras possibilidades), e que outras não funcionam bem na língua portuguesa (como nonbin, uma derivação popular mas que obviamente se origina em nonbinary).

No entanto, acho que é possível se inspirar em tais derivações para cunhar palavras como embê, enebi, nabim ou nabi. Nonar é até uma palavra que seria consistente com as normas da língua portuguesa, ainda que seja obviamente inspirada em nonbinary e não em não-binárie.