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Perguntas comuns sobre não-binaridade que vão além das básicas

Aviso de conteúdo: menções e exemplos de cissexismo, exorsexismo, reducionismo de gênero, diadismo, heterossexismo, monossexismo e neurocapacitismo/psicomisia

Para quem não conhece tais palavras, a definição de exorsexismo, cissexismo, diadismo, duaricismo, heterossexismo e monossexismo pode ser encontrada aqui.

Através dos anos, sempre vão haver pessoas novas ao assunto fazendo as mesmas perguntas sobre não-binaridade. Eu respondi algumas destas aqui e aqui. Existem várias outras postagens por aí que também cobrem essas dúvidas básicas, que geralmente vêm de pessoas que não acreditam que pessoas não-binárias realmente existem, ou de pessoas que recém conheceram o conceito e que querem saber como respeitar pessoas não-binárias.

No entanto, existem certas perguntas que não vejo sendo respondidas em postagens mais básicas, ainda que sejam perguntas recorrentes sobre não-binaridade. São perguntas que vejo serem respondidas em blogs, ou grupos de chat, mas que raramente são compiladas em listas de perguntas frequentes. Espero que esta postagem consiga resolver tais dúvidas.

Perguntas sobre identificação com termos específicos

Meu gênero designado é [gênero], posso ser [identidade de gênero que não especifica gênero designado em sua definição]?

Sim. Demigênero, agênero, xenogênero, neurogênero, intergênero, pomogênero, aporagênero, genderqueer, gênero-fluido e várias outras identidades de gênero podem ser usadas por pessoas de qualquer gênero designado. Identidades como neo-homem e transfeminine indicam em suas definições que são exclusivas para pessoas de certos gêneros designados.

Se alguém é homem-fluxo, mas designade homem ao nascimento, a pessoa pode se dizer trans e pode se dizer homem, mas pode se dizer homem trans?

Não há um consenso em relação a isso, mas até onde sei, a maioria das pessoas vê homem trans (inclusive homem trans não-binárie ou similar) como um sinal de que a pessoa é transmasculina (ou seja, não teve homem como gênero designado mas se identifica como homem e/ou pessoa masculina ao menos em algum grau/aspecto). Eu recomendaria só usar a identidade em si (como homem-fluxo), já que ela já indica cisdissidência.

Se alguém é 10% caelgênero e 90% agênero, a pessoa pode se dizer demicaelgênero?

Demigênero é um rótulo que pode ser usado para qualquer identidade de gênero parcial, independentemente de sua quantidade. Então, sim, a pessoa pode se dizer demicaelgênero, assim como demiagênero.

Alguém que quiser especificar quantidades pode querer usar magigênero (parte grande de um gênero), nanogênero (parte pequena de um gênero), pixelgênero (a menor parte de um gênero), hemigênero (metade de um gênero), dodransgênero (¾ de um gênero), quartogênero (¼ de um gênero) ou outros termos similares.

Posso usar alguma identidade de gênero mesmo que eu não me encaixe totalmente na definição dela?

Sim. Alguém pode ser neulier ainda que seu gênero seja um pouco feminino, ou gênero-esmeralda ainda que não sinta uma conexão com esmeraldas em seu gênero. Definições são aproximações de como identidades são usadas, e não necessariamente descrevem completamente como todas as pessoas que usam tais termos se sentem.

Eu não sou homem e/ou mulher, ainda posso usar termos como bigênero, trigênero ou gênero-fluido?

Sim. Estas identidades não são específicas para quem tem homem e/ou mulher como ou entre seus gêneros.

Pessoas que são homens e mulheres que querem rótulos específicos para suas experiências podem se interessar em binarifluide (alguém que é fluide entre gêneros binários ou similares) ou femache (alguém que é simultaneamente homem e mulher).

Perguntas sobre dependência de fatores "externos a gênero"

Pessoas cujas identidades de gênero são baseadas em depressão, trauma, anorexia e afins não estão prejudicando a própria recuperação, e normalizando estar mal, além de fazer com que a comunidade pareça curável?

Dois fatos:

  • Períodos onde transtornos mentais e afins fazem efeito existem independentemente de quem estiver passando por eles querer eles ou não;

  • Rótulos de identidades de gênero sempre podem ser mudados, caso a identidade de gênero de alguém e/ou a percepção de alguém a respeito de tal identidade mude.

Alguém que está dizendo que não tem gênero em seus períodos depressivos está apenas dizendo isso. Usar um rótulo que descreve isso não vai romantizar ou atrapalhar a recuperação da pessoa mais do que rotular tais períodos como períodos depressivos e/ou falar sobre como tais períodos afetam sua vida de outras formas faz isso.

Rótulos de identidades de gênero não são correntes que prendem alguém a uma experiência, são descrições de experiências que já existem. Caso a experiência mude, também é possível mudar os rótulos. Prevenir que pessoas falem de como experiências negativas afetaram ou afetam suas identidades de gênero não vai afetar a existência ou o impacto de tais experiências negativas.

Além disso, se preocupar mais com o que pessoas cis neurotípicas vão pensar de experiências cisdissidentes causadas por questões negativas do que com pessoas que estão sofrendo pelos efeitos de transtornos mentais, capacitismo/psicomisia e cissexismo é empurrar tais pessoas pra debaixo do ônibus pra ter talvez um pedaço mínimo de respeitabilidade. É uma atitude desprezível que não deveria existir.

Alguém intersexo se dizendo intergênero (ou usando intersexo como rótulo de gênero) não está reforçando a ideia de que gênero depende de sexo?

Primeiramente, acho bom explicar que intergênero não se refere somente a um gênero específico. É uma categoria que inclui:

  • Pessoas que justificam ser de uma identidade específica que não é exclusiva de pessoas intersexo por ser intersexo (por exemplo, alguém que só se vê como mulher ou como sem gênero por ser intersexo pode se dizer intergênero);

  • Pessoas cujo gênero só pode ser descrito como intersexo, ou como algo específico de ser intersexo;

  • Identidades de gênero exclusivas de pessoas intersexo, como duogênero, neutroix e amalgagênero.

Só por isso, já é impossível dizer que todas as pessoas intergênero estão reforçando que gênero vem do sexo. Afinal, alguém que é intermaverique não está dizendo que todes es maveriques precisam ter seu sexo específico para serem maveriques, já que o rótulo intermaverique está diferenciando esse grupo de um grupo mais geral de maveriques.

Mas ok, direto ao ponto: intersexo é, acima de uma categoria biológica, uma categoria social. Ser intersexo não descreve um só tipo de corpo - pessoas intersexo possuem uma grande variedade de possibilidades de gônadas, genitálias, cromossomos e afins - e sim um grupo que foge das normas diadistas do que constitui um dos dois sexos considerados "saudáveis" ou "normais".

Experiências intergênero geralmente são as de quem se sente alienade dos gêneros binários e/ou do próprio gênero designado por conta de seus corpos não se encaixarem nas expectativas dicissexistas do que é ser homem ou ser mulher. A lógica não é "fui designade mulher, mas tenho insensibilidade a andrógenos, o que significa que meu gênero também deve ser um pouco masculino ou neutro", e sim "fui designade mulher, mas tenho insensibilidade a andrógenos, e isso fez com que eu me sentisse alienade de toda essa questão que liga ser mulher a menstruação e gravidez, além da questão de que quando outras pessoas descobriram isso na família e escola não conseguiram mais me tratar como mulher ou como homem direito, o que faz com que eu não me sinta contemplade dizendo ser de um gênero binário".

Isso não é mais "bioessencialista" do que pessoas cis cujas experiências como membras de certo gênero faz com que se sintam confortáveis em certo gênero. É uma questão de expectativas culturais e de conforto ou desconforto com elas, assim como várias outras experiências de gênero.

Não descarto a possibilidade de haverem pessoas intersexo que usam seus corpos para justificar que são de um gênero separado de forma cissexista, mas nunca vi alguém assim em círculos de ativistas intersexo, e acredito que não seja um fenômeno comum.

Perguntas sobre xenogêneros

Alguém pode ser xenogênero sem ser neurodivergente?

Sim.

Muitas vezes, xenogêneros e xeninidade são conceitos explicados a partir de alguém ser neurodivergente e não conseguir entender ou ter afinidade com conceitos de feminilidade, masculinidade, neutralidade, outerinidade e afins. Enquanto estas explicações são motivos para que muita gente se veja como xenogênero, a maior parte dos xenogêneros não é exclusiva de pessoas neurodivergentes (ou de quem é otherkin, ou de quem é adolescente, ou de qualquer outra experiência não especificada na definição de cada identidade).

Se alguém consegue pensar em um motivo pelo qual seu gênero é vermelho, tal pessoa pode se dizer gênero-vermelho. O termo pode ser usado mesmo que a pessoa não esteja experienciando sinestesia de forma literal, consiga descrever seu gênero de uma forma que não envolva xenogêneros, ou não se identifique com a cor vermelha em qualquer aspecto de sua identidade além do gênero.

Existem conjuntos de linguagem que combinam com xenogêneros em português, assim como em inglês existem pronomes como fae/faer, kit/kits e voi/void?

Pronomes substantivados ("nounself") não são exclusivos de xenogêneros, e muitos nem foram criados por ou para pessoas xenogênero. Assim como uma pessoa agênero pode usar o/ele/o e ume proxvir pode usar i/ela/e, na anglosfera alguém que é gênero-estrela pode usar she/her/herself (a/ela/a) enquanto alguém que é gênero-fluido entre homem e mulher pode usar star/stars/starself (um conjunto de pronomes baseado na palavra star, estrela).

Dito isso, embora pouca gente fuja muito de pronomes como el ou ile, também é possível fazer conjuntos que usem elementos que remetam a cores, objetos espaciais, animais, seres mitológicos e afins.

Usando o esquema artigo/pronome/final de palavra, algumas sugestões que posso dar são:

  • Água: (-, a)/águ/a, -/água/ae
  • Anjo: (a, an)/anj/(e, o)
  • Ar: ar/ara/(a, e), -/(ar, are)/e
  • Árvore: ar/arvo/(e, er), (-, a)/árvore/e
  • Cachorre: cã/-/e, ca/orre/(x, e)
  • Elfe: el/(elf, elfe)/e
  • Espaço: e/espa/aço, espa/aço/o
  • Estrela: e/estrel/a, estre/el/a, est/ela/a, -/estrela/(el, e)
  • Fada: (af, fa)/ada/(', a), -/aef/ae, fa/afae/(a, ae) [o apóstrofo não é pronunciado]
  • Fogo: fo/ogo/(o, ')
  • Gate: ga/ate/e, gat/inhe/e
  • Nuvem: an/uve/em, nu/uvem/e
  • Pedra preciosa: ap/edra/a, (ge, ag)/ema/a
  • Sereia: se/ere/(i, a), er/eia/s
  • Terra: te/(era, erra)/a
  • Vácuo: va/(ácuo, acu)/(o, '), -/ova/uo

Estas são só algumas coisas que pensei de forma rápida, e é possível ter um conjunto relacionado a algo mencionado que não esteja nada perto do que pensei, ou usar conjuntos similares aos que pensei mas diferentes em alguns aspectos (por exemplo, usar -/estre/al ao invés dos conjuntos citados para estrela). O conjunto de linguagem pessoal de cada pessoa é pessoal, e deve ser confortável para quem está usando, acima de qualquer outra coisa.

Também é possível ver conjuntos completamente diferentes como relacionados a algo. Por exemplo, alguém pode usar u/aef/a por associar esse conjunto com florestas, ainda que ele não use somente letras ou sílabas da palavra floresta.

Para resolver mais dúvidas comuns em relação a conjuntos de linguagem pessoal, recomendo este texto, onde escrevi bastante sobre o assunto.

Perguntas sobre afinidade com termos binários

Se uma pessoa é não-binária, por não ser homem ou mulher, como é que existem homens agênero, mulheres não-bináries, e afins?

Como as páginas mulher não-binárie e homem não-binárie do Orientando explicam, há várias razões para tais identificações. Vou tentar dar uns exemplos simples disso:

  • Digamos que uma pessoa seja gênero-fluido, sendo algumas vezes homem e algumas vezes aporagênero. O gênero dessa pessoa muda com frequência, então ela não gosta muito de falar que gênero é no momento, quando isso pode parecer errado poucos minutos depois. Como a pessoa é não-binária (por ser aporagênero em alguns momentos) e homem (por ser homem nos outros momentos), a pessoa prefere dizer que é homem NB.

  • Uma pessoa é não-binária e não gosta de ser vista ou tratada como homem, mas não se importa em ser tratada como mulher, ainda que não sinta que seu gênero seja mulher. Essa pessoa mudou os documentos para ser reconhecida como mulher oficialmente e toma estrogênio para ser mais vista como mulher, para evitar a disforia de ser vista como homem. Essa pessoa preferia que não houvesse nenhuma imposição de "ser homem ou mulher", por não ser nenhuma das duas coisas, mas vê a possibilidade de ser mulher como algo importante para sua identidade, ainda que não reconheça seu gênero como tal. Essa pessoa pode querer usar o rótulo de mulher não-binária.

  • Uma pessoa tem um gênero que vê como parecido com mulher, por se reconhecer em vários dos arquétipos relacionados a ser mulher, mas não se reconhecer no rótulo ou na comunidade mulher, podendo até se afastar de certas coisas vistas como partes da "mulheridade", como o conjunto de linguagem a/ela/a, a expectativa de maternidade, a participação em grupos de mulheres e o conforto/objetivo de ter partes do corpo ditas "femininas". A pessoa pode ver seu gênero como adjacente ao gênero mulher, ou como parcialmente mulher e parcialmente outra coisa. A pessoa pode especificar que é juxera, ginx, femil, magimulher ou outra coisa, mas pode também só dizer que é mulher não-binárie.

Sobre denominações como mulher poligênero, homem agênero e outras similares, é a mesma coisa: a pessoa tem acesso a ambos os termos, ou vê eles como um resumo simples de suas identidades.

É verdade que muitas pessoas que se dizem mulheres ou homens não-bináries poderiam usar outros termos, que talvez até pudessem ser vistos como "mais simples" ou "mais precisos" para outras pessoas. Mesmo assim, a possibilidade de usar outros termos se aplica a quase qualquer termo abrangente (como não-binárie, poligênero, gênero-fluido ou xenogênero), e todas essas pessoas possuem o direito de escolherem que rótulos preferem compartilhar, ou quais identidades descrevem melhor suas experiências.

Alguém que é, por exemplo, demimulher, e que foi designade como mulher ao nascer, é cis? Ou, alguém que é gênero-fluido e que às vezes é do próprio gênero designado é às vezes cis?

Embora cisgênero seja uma palavra muitas vezes definida como "alguém que está satisfeite com o próprio gênero designado" de forma que não especifica que a pessoa precise ter uma identidade de gênero completamente e constantemente igual a tal gênero (além de ter uma corporalidade respeitada como uma de tal gênero), a principal função de cisgênero é descrever o grupo normalizado e privilegiado por cissexismo; o grupo de pessoas cujas identidades de gênero sempre são consideradas naturais, justificadas, óbvias, etc.

Pessoas que possuem identidades de gênero que poderiam ser descritas como "adjacentes a cis", "parcialmente cis" ou "às vezes cis" podem sempre ser consideradas cisdissidentes ou não-cis. Alguém que quer se afirmar como demimulher vai passar por dificuldades como policiamento de gênero, chacota, maldenominação, desrespeito e afins por mais que seu gênero designado tenha sido mulher. Alguém que é gênero-fluido também, por mais que tecnicamente seu gênero possa coincidir com o designado por parte do tempo. Além disso, essas pessoas podem desejar mudança no nome e marcador de gênero dos documentos, acesso a transição física e uma série de outros recursos comumente associados com pessoas trans binárias.

Só porque uma experiência pode "parecer meio cis", não significa que funcione assim na prática. Aliás, qualquer pessoa não-binária pode se dizer trans, ainda que algumas não se sintam confortáveis com isso e prefiram usar outras modalidades de gênero.

Se uma pessoa é não-binária, como ela pode ser lésbica/gay/hétero? Especialmente se essa pessoa não se descreve como mulher/homem, ou se essa pessoa se descreve como mulher e homem?

Como mencionei acima, pessoas não-binárias podem ter uma identidade de gênero que contém ou que é parecida com um gênero binário e ainda serem não-binárias, ou podem usar algum gênero binário como uma descrição de grupo social, expressão de gênero ou experiência de vida que não faz parte da identidade de gênero para "simplificar" suas experiências em um mundo binário.

Seria justo dizer que alguém que se percebe de alguma forma como "mais ou menos homem", que frequenta espaços para homens que estão a fim de homens, que só sente atração por homens e que se sente afetade por estigmas de relacionamentos entre homens não tem o direito de se dizer "homem gay não-binárie" por não se considerar totalmente homem? Ainda que viva numa sociedade heterossexista que também não considera homens gays binários totalmente homens?

Embora a maioria não veja isso como um grande problema, também existem questões mais complexas aí no meio. Umas onde não há a possibilidade de apelar para uma experiência tão "certinha". Mas antes de falar delas, vou falar da situação dos termos que se encaixam de formas mais precisas (no sentido de encaixarem até mesmo nas definições mais curtas) em experiências não-binárias.

Feminamórique (alguém não-binárie que sente atração só por mulheres) e viramórique (alguém não-binárie que sente atração só por homens) são termos desconhecidos na maioria dos espaços NHINCQ+, e que não são espalhados por serem "novos demais" ou "específicos demais". Seus antecedentes mais conhecidos, gine e andro, possuem a reputação de serem termos cissexistas, e praticamente só são espalhados em círculos que ainda espalham listas de orientações feitas há cerca de 6+ anos atrás.

Em relação a quem sente atração de forma um pouco mais abrangente do que por apenas um gênero, temos identidades como proqua, liv, mártique e fin, sendo que tais orientações são mais desconhecidas ainda. Quem sente atração por um gênero binário e por pessoas não-binárias pode querer usar netúnique, urânique, toren ou trixen - orientações que, ainda que possam ser usadas por pessoas binárias, também são estigmatizadas pelo mito de "não existir atração por pessoas não-binárias".

Tal mito se refere à ideia de que atração é sempre por "leitura social" (ou, se a pessoa for cissexista explicitamente e não de forma velada, pela genitália), e de que aprender qual é o gênero da pessoa não afeta em nada a atração de alguém. Eu sei que atração não funciona assim por experiência pessoal, e muitas outras pessoas também. Pra alguém que não sente atração por homens, alguém se revelar homem deve fazer com que a atração vá embora, imediatamente ou com o tempo. Pra alguém com atração por mulheres, alguém se revelar mulher pode fazer com que a atração comece a surgir imediatamente ou após "acostumar". A mesma coisa vale para atração por pessoas de outros gêneros, como maverique, gênero neutro e andrógine. Talvez isso seja diferente pra quem se recusa a ao menos tentar ver pessoas cisdissidentes como pessoas que possuem o(s) gênero(s) ou ausência(s) de gênero que dizem ter, mas isso não anula a necessidade de orientações que incluem atração por pessoas não-binárias, para que sejam utilizadas por quem não é cissexista.

Enfim, continuando. Existem orientações que explicitam uma atração por múltiplos gêneros, como bi e poli, mas, por conta do mito de que atração por pessoas não-binárias não conta como atração por gêneros diferentes, é comum presumir-se que quem usa tais rótulos sente atração por ambos os gêneros binários, quando este pode não ser o caso. Orientações flexíveis, como virflexível e feminaflexível, poderiam ser opções, por mostrarem atração não-exclusiva por algum gênero binário, mas também são odiadas por quem acha que quem está utilizando tais termos só "não quer admitir que é bi", e os prefixos vir e femina não são muito conhecidos, como já apontei anteriormente.

Isso deixa as coisas bem difíceis para pessoas não-binárias que não querem usar termos que a maioria tenha que pesquisar para saber o que são, ou que são carregados de presunções errôneas. E esta afirmação somente considera quem teve acesso a estes termos, ignorando as pessoas que descobriram ser não-binárias por conta de lugares que falam sobre não-binaridade ser uma opção sem falar sobre todas essas orientações que pessoas não-binárias podem usar para se descrever.

Por isso, não me surpreende que várias pessoas não-binárias que não sentem atração por ambos os gêneros binários acabem usando "rótulos de gente binária", mesmo quando não existem justificativas como ser parcialmente de um gênero binário sem ser do outro gênero binário.

Além disso, existem circunstâncias como:

  • Pessoas não-binárias que nunca aprenderam definições que não são cissexistas das orientações mencionadas, ou que nunca tiveram contato com discussões sobre cissexismo ainda que não sejam cis, e que acabam definindo sua orientação com base no sexo que foram atribuídas ao nascimento;

  • Pessoas não-binárias que se envolveram por anos/décadas em grupos de ativismo/espaços de convivência lésbicos ou gays, e que portanto não querem largar tal parte de sua identidade ainda que não sejam 100% mulheres ou 100% homens.

Eu entendo a preocupação com "palavras terem significados" e com não querer perpetuar cissexismo ao "deixar" que pessoas usem rótulos baseados em gênero designado/leitura social ao invés de pedir para que certos termos sejam mais estritamente relacionados com certos grupos. No entanto, expulsar uma pessoa bigênero mulher/homem que só gosta de mulheres de um espaço para mulheres que gostam de mulheres não só expulsa alguém que é mulher que gosta de mulheres, como também desrespeita a identificação pessoal e deixa a pessoa sem qualquer comunidade similar.

Minha opinião a respeito desse assunto é que, enquanto não houver adoção em massa de termos para pessoas não-binárias e grandes comunidades não-binárias que possam acolher pessoas que não podem mais ser precisamente chamadas de lésbicas/gays/hétero, insistir que pessoas não-binárias deixem de usar esses termos e de participar desses espaços de uma hora pra outra acaba sendo uma forma de violência. É melhor deixar pessoas se descobrirem e decidirem sozinhas do que forçar termos em cima delas, embora a divulgação e normalização de outras orientações seja importante e positiva.

Também acho importante destacar que a predominância de termos que giram em torno de atração por e para pessoas binárias e a falta de conhecimento sobre/aceitação de outros termos faz parte de um sistema monossexista e exorsexista. As presunções exorsexistas feitas sobre a atração de quem usa orientações como bi e poli, a falta de aceitação de orientações flexíveis e a falta de divulgação de orientações como feminamórique, viramórique, trixen e toren precisam ser combatidas.

Enfim, essa questão de pessoas não-binárias poderem se dizer hétero ou aceitarem ser reduzidas à sua "leitura social" se refere à identificação pessoal: eu não acredito que pessoas não-binárias não sofram por conta de duaricismo e/ou heterossexismo apenas por se dizerem hétero, assim como não acredito que pessoas atraídas por múltiplos gêneros não sofram por conta de multimisia apenas por compartilharem termos que usam para suas orientações com pessoas que só sentem atração por um gênero. Mais sobre isso em um texto que escrevi sobre heterossexismo, ou em um texto que Oltiel escreveu sobre pessoas não-binárias não poderem ser realmente inclusas na orientação hétero.