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Sobre como rótulos devem ser aplicados

(Resposta: com base no que cada pessoa sente que é adequado para si.)

Avisos de conteúdo: Reducionismo, trauma relacionado a abuso (em um exemplo), capacitismo.

Existe uma preocupação de pessoas reducionistas (pessoas cuja ideologia de uma forma ou de outra reduz a quantidade de identidades aceitas como LGBTQIAPN+) sobre pessoas que "apoiam rótulos demais" quererem apagar identidades (geralmente consideradas "mais importantes") em nome de identidades mais específicas que "ninguém conhece" e que supostamente seriam negativas, ou por "não terem peso político", ou por "não existirem de verdade", entre outros motivos.

Na minha experiência, porém, são as pessoas reducionistas que geralmente possuem mais interesse em policiar os contornos de cada rótulo, para terem certeza de que não há nenhum rótulo "inútil".

Afinal, se uma pessoa sabe que alguém que sente atração por todos os gêneros igualmente pode se identificar como bi, pan, poli, omni, multi, pluraliane e/ou equ, faz mais sentido que a pessoa aceite quaisquer rótulos que a outra pessoa preferir, ao invés de tentar convencê-la a usar o rótulo mais específico possível.

Enquanto isso, se uma pessoa só considera bi e pan rótulos válidos, uma pessoa reducionista pode dizer que tal pessoa precisa usar pan, por denotar atração por todos os gêneros. E que, se tal pessoa não usar pan, isso é de alguma forma apagamento ou discriminação contra pessoas pan. Mas talvez a pessoa tenha tido mais experiências negativas com pessoas pan do que com pessoas bi, ou tenha se identificado como bi fazia décadas. Bi, por significar atração por mais de um gênero, também cobre atração por todos os gêneros, então qual o problema?

Para a pessoa reducionista, o problema é que se dois rótulos cobrirem o mesmo significado, por mais que tenham histórias ou nuances ou coberturas de experiências diferentes, um dos rótulos está "sobrando".

A maioria das pessoas reducionistas está fora demais do meu público-alvo para que eu consiga atingi-las. Porém, ideologia reducionista pode acabar invadindo espaços mais inclusivos (o próprio exemplo de alguém reducionista que reconhece bi e pan é mais incomum do que pessoas reducionistas que só reconhecem bi), e isso é um problema.

Aqui, eu vou tentar desarmar reações que mesmo pessoas que dizem preferir inclusão à respeitabilidade podem ter.



Eu vou inventar aqui um caso bem extremo. Digamos que exista uma mulher chamada Naiara, que usa a/ela/a e se identifica como lésbica.

Naiara sente atração por mulheres e por homens e consegue reconhecer isso desde cedo, mas não quer nada com homens, já que possui trauma deste gênero em relação a abusos sofridos quando era criança. Naiara também não conhece pessoas não-binárias a ponto de saber se sentiria atração por pessoas não-binárias ou não.

Naiara sempre se apresentou como lésbica em qualquer lugar onde fazia sentido falar de sua orientação. Só teve relacionamentos com mulheres, e, se alguém sabe de sua atração por homens, são só pessoas bem próximas, porque ela não quer saber desta atração.

Naiara deveria ser obrigada a usar o rótulo bi, ou outro rótulo multi, só por tecnicamente sentir atração por homens, ainda que ela não goste de falar da sua atração por homens e nem queira relacionamento nenhum com homens?

Talvez você ache que sim, porque atração não tem a ver com comportamento. E isso é verdade! Mas, você só sabe que Naiara poderia se identificar como bi porque eu sou ume narradore onipresente e estou dizendo que ela sente atração por homens também. Se ela fosse uma pessoa real indo aos mesmos eventos que você, você não pensaria que ela poderia ter atração por homens ou que deveria se identificar como multi.

A outra opção que faria com que Naiara pudesse usar o rótulo lésbica e se encaixar nele perfeitamente seria adicionar a seguinte definição à orientação:

Uma mulher (ou pessoa não-binária que considera sua identidade similar de alguma forma) que, mesmo tendo atração por outros gêneros, não quer pensar na atração por eles ou ter relacionamento com pessoas que se encaixam neles por conta de trauma.

No entanto, o que seria pior para a comunidade lésbica: ter pessoas se identificando como lésbicas que não se encaixam tão bem nas definições atuais (mas que estão confortáveis com isso), ou ter pessoas achando que uma grande parte da comunidade lésbica é de pessoas que sentem atração por não-mulheres mas que não a demonstram por causa de trauma?

Honestamente, mesmo se grande parte da comunidade lésbica se encaixasse nesta descrição... ela é um estereótipo, o que machucaria parte da comunidade (porque capacitismo existe e significa que pessoas pensam que traumas precisam sempre ser totalmente curados para que as pessoas "voltem a ser normais"), além de ser um tapa buraco.

Porque este é um exemplo extremo. E lésbiques que se identificam assim porque simplesmente não estão a fim de ter relacionamentos com não-mulheres? E lésbiques que se identificam assim porque homoflexível é uma identidade vista como piada? E lésbiques que se identificam assim porque são idoses e antes dos anos 70 lésbique era uma identidade para qualquer mulher que gostava de mulheres? E lésbiques que se identificam assim porque não conhecem nada além de gay, lésbique e hétero, mesmo sendo mulheres assexuais ou homens trans hétero ou pessoas não-binárias panromânticas?

Se formos juntar todas as exceções a definições de lésbique, ou de qualquer outra identidade comum - porque é comum usá-las como refúgio quando identidades menos conhecidas são vistas como piores ou desconsideradas por não serem conhecidas o suficiente - achar boas informações sobre identidades NHINCQ+ vai ser bem mais difícil do que é hoje.



O que eu proponho é que definições de identidades funcionem como definições em dicionários:

  • Elas devem refletir como pessoas geralmente usam aquele termo;
  • Definições devem ser mudadas ou adicionadas não toda vez que alguém usar certo termo de forma diferente, mas sim quando houverem evidências de que muita gente usa certo termo de forma diferente.

É possível ter arquivos onde pessoas diferentes com as mesmas identidades podem falar dos diferentes motivos pelos quais se encaixam nelas. Porém, isso é algo diferente de quando alguém só está procurando por uma definição resumida do que é algo.

Também acho que é um esforço inútil tentar afastar pessoas dos termos que escolheram. Não só cada pessoa tem seus motivos, como também isso é algo que machuca mais aquela pessoa do que aquela pessoa tem capacidade de machucar o grupo.



Por último, gostaria de falar do argumento sobre ódio internalizado.

Ódio internalizado é algo que realmente acontece. Existem pessoas gays que não querem admitir que não são duáricas por conta de duaricismo internalizado e que portanto dizem que são bi (ou de outra identidade multi). Existem pessoas multi com monossexismo internalizado e que portanto dizem que são gays.

Também existe ódio contra microcomunidades, o que pode afastar pessoas de rótulos mais específicos ou precisos, tanto por conta de pressões externas quanto por causa de ódio internalizado.

Há a necessidade de uma conscientização de que está tudo bem se identificar com algo e depois perceber que aquela identidade não era para si. E de que está tudo bem ser de qualquer orientação ou identidade de gênero por mais específica ou genérica ou estigmatizada ou incomum que seja.

Mas... não acho que forçar pessoas a abandonar os rótulos que gostam é a resposta. Mantenha sua comunidade e sua ajuda abertas, mesmo que a pessoa não se identifique da forma que você acha ideal. Não machuque pessoas com o objetivo de fazê-las superar seu ódio internalizado.

É por isso que comunidades mais gerais também são importantes, mesmo que identidades específicas tenham suas próprias questões. Apoio mútuo deve ser levado em consideração acima do incômodo pessoal de um rótulo impreciso.