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Uma breve introdução à femimisia e à mascunormatividade

Aviso de conteúdo: discussões sobre normas de gênero e punições por quebrá-las, além de di/cis/heterossexismo.

O que são estes termos?

Femimisia, que também pode aparecer como fememisia ou femmemisia, é o ódio a expressões que são ou são vistas como femininas.

Femmemisia seria o termo original; vem de femme, uma palavra que significa mulher na língua francesa, mas que em espaços anglófonos virou sinônimo de uma identidade/expressão queer feminina. Como não existe tanta presença do nome femme em comunidades lusófonas, prefiro simplesmente usar o prefixo femi, de feminilidade.

Mascunormatividade é a ideia de que expressões masculinas ou vistas como masculinas são padrão, ou demonstram superioridade em relação a outras expressões.

Devo também apontar que quaisquer rótulos para expressões de gênero devem ser sempre decididos por cada pessoa.

Mas existem expressões de gênero que não são femininas ou masculinas, certo?

Sim! Pessoas podem ter expressões xeninas, neutras, andróginas, etc. Porém, assim como identidades não-binárias não são muito reconhecidas ou respeitadas, expressões que não são relacionadas a gêneros binários também não ganham muita atenção.

Talvez algum dia tenhamos um termo para falar do apagamento destas expressões de gênero, ou ao menos mais discussão sobre isso, mas esta postagem é sobre femimisia e mascunormatividade.

Por que falar disso é importante?

Porque, ao categorizar estas questões como se fossem puramente cissexismo, heterossexismo ou misoginia, certas nuances são perdidas, e certas pessoas não são contempladas.

Por exemplo, um homem gay femimísico fala mal de homens aquileanos que considera "afeminados".

Se esta ação é vista como homomisia internalizada, isso dá a entender que tal homem, por ser gay, precisa ter algo de feminino dentro de si, o que não só não precisa ser verdade como também alimenta um estereótipo.

Se a ação é vista como cissexismo ou misoginia, isso dá a entender que homens cis diretamente afetados por esse tipo de coisa na verdade não são o alvo principal do comentário.

Mas isso vem de misoginia e homomisia sim!!

Bem, sim, mascunormatividade tem a ver com masculinidade ser uma característica associadas a homens; o gênero supostamente padrão/superior. Assim como femimisia tem a ver com feminilidade ser associada a mulheres; um gênero supostamente estranho/inferior.

Mas muitas outras opressões são conectadas entre si, e isso não anula a individualidade delas.

Por exemplo, diadismo e cissexismo. Existem pessoas ipsogênero ("intersexo e cis"), e existem pessoas trans perissexo (perissexo é alguém que não é intersexo). Também existem pessoas intersexo que não se identificam com seu gênero designado, e que podem se considerar trans (embora também possam se considerar ultergênero ou somente intergênero sem se considerarem trans).

Quando alguém diz que "um homem de verdade tem cromossomos XY, testículos e um pênis", a pessoa está sendo tanto cissexista quanto diadista. Não importa se o contexto foi invalidar um homem trans, um homem intersexo ou um homem trans e intersexo.

Da mesma forma, o diadismo que gera a falta de estudo de corpos intersexo em contextos médicos também contribui com o cissexismo de não existirem informações que possam ser usadas para tratar pessoas trans em condições similares. E o policiamento de banheiros para que pessoas trans não entrem no banheiro correspondente a seu gênero pode afetar pessoas ipsogênero que não "passam" como cis também.

Mas quando cirurgias corretivas acontecem em bebês e crianças que não podem consentir, isso é uma questão intersexo, que ocorre pelo diadismo de não aceitarem que não é um problema que mais de duas corporalidades existam. Não afeta pessoas perissexo, mesmo que sejam cisdissidentes.

Enfim, meu ponto é que opressões podem ser parecidas ou até afetar mais de um grupo de categorias diferentes, e isso não invalida a necessidade de palavras diferentes.

Não é melhor falar sobre normas de gênero serem ruins?

Eu acho que, sim, também existe a questão de normas de gênero serem forçadas. E também precisamos falar disso e ter vocabulário para isso!

Tanto mulheres de expressão masculina quanto homens de expressão feminina são punides por transgredir o que era permitido para seu gênero.

Por um lado, a misoginia faz com que a transgressão de uma mulher seja vista como algo que ameaça as normas.

Por outro lado, a fememisia faz com que a transgressão de um homem por ele ser feminino seja vista como algo que ameaça as normas.

A questão de misoginia piorar as coisas mesmo que masculinidade seja vista como superior é provavelmente um fator pelo qual não se fala tanto de mascunormatividade, mas ainda considero que este seja um tema importante.

Mas mulheres não são punidas por serem femininas, e sim forçadas a serem femininas!

Hmmm. Por que não as duas coisas?

Mulheres com mais características vistas como estereotipicamente femininas (vaidade, emoções, preocupação com romance, forma de falar mais feminina, modo de vestir que emprega mais rosa, tons pastéis, blusas, vestidos, saias e sapatos bonitos, gosto por programas de TV focados em drama e relacionamentos, etc.) são descartadas como fúteis, desinteressantes, com interesses bobos e que não têm conhecimento sobre coisas legais ou importantes (isso pra não dizer algo mais capacitista).

Não é à toa que muitas personagens principais/importantes mulheres "precisam provar" que não são assim. Se estão com maquiagem e com roupas lindas, é porque alguém as fez fazer isso. Se estão numa posição de poder, mostram menos emoções e "não cuidam (tanto) da aparência". Se existem muitas outras personagens mulheres, a principal tem que mostrar que não é como essas meninas populares fúteis e com interesses femininos; e muitas vezes ela tem algum hobby ou interesse considerado "masculino", como skate, carros, química ou computadores.

Também acho importante apontar que hiperfeminilidade também pode ser uma ferramenta de rebelião contra a sociedade, mesmo para mulheres. O movimento kawaii talvez seja um exemplo disso, e drag queens mulheres (de qualquer modalidade de gênero) também.

Eu não diria que a sociedade possui um ideal andrógino ou neutro para mulheres, mas com certeza existe o conflito entre "mulheres precisam ser femininas ou não são atraentes" e "mulheres femininas demais são chatas/estranhas".

Ok, podemos falar sobre femimisia e mascunormatividade em geral agora.

Eu recomendo muito ler este texto aqui, que aponta muito sobre uma visão mascunormativa em comunidades NHINCQ+.

Para quem não quer ler o texto agora, alguns de seus pontos são os seguintes:

  • Feminilidade é muitas vezes vista como uma performance para o patriarcado, o que faz com que pessoas femininas sejam alvos de chacota.
  • Homens femininos são vistos como pessoas querendo se passar por mulheres para invadir espaços, ou como estereótipos vergonhosos. São criticados por "parecerem queer demais".
  • Mulheres femininas são vistas como pessoas querendo agradar o patriarcado. Como pessoas que não são heterodissidentes o suficiente. Isso mesmo que sua feminilidade seja para que não se prejudiquem socialmente, ou que seja exagerada e pouco atraente para o patriarcado, ou que seja apenas a expressão de gênero que preferem para si. São criticadas por "não parecerem queer o suficiente".
  • Pessoas não-binárias que querem ter a aparência andrógina sempre precisam ter ela mais puxada para masculina do que feminina.
  • Masculinidade é, assim, vista como a única expressão de gênero verdadeiramente natural, e, sem o patriarcado, supostamente todas as pessoas se sentiriam melhor com uma expressão de gênero masculina.

E aqui estão algumas coisas que já vi acontecendo:

  • Pessoas que não são particularmente femininas, mas que não estão se esforçando em ter um visual masculino, são vistas como femininas; pessoas que não são particularmente masculinas, mas que tentam ter um visual mais puxado para este lado, são vistas como andróginas.
  • Mulheres sáficas possuem suas identidades invalidadas mais vezes se possuem uma aparência mais feminina. Lésbicas são questionadas se são hétero ou multi, enquanto mulheres multi são vistas como "bi de balada" (uma expressão para pessoas que só demonstram atração pelo mesmo gênero "por diversão" em situações festivas, como se isso fosse possível).
  • Homens de expressão feminina são menos desejados, e suas representações na mídia geralmente possuem o objetivo de serem engraçadas.
  • Homens não-gays de expressão feminina são vistos como "gays enrustidos", como se homens tivessem que ser masculinos para poderem sentir atração por mulheres. (Isso também é uma questão de normas de gênero que acontece com mulheres masculinas, mas há uma diferença quando qualquer sinal de feminilidade em homens é visto como "gay", enquanto mulheres precisam expressar um nível bem maior de masculinidade até que sejam vistas como "obviamente lésbicas").
  • Pessoas transfemininas de expressão feminina são vistas como pessoas que não entendem que feminilidade é opressiva e patriarcal, mesmo que tal expressão tenha sido negada a elas a vida toda, e mesmo que seja necessária para que consigam direitos e/ou serem tratadas da forma certa.
  • Mulheres racializadas (especialmente negras) cuja feminilidade é negada pelo sistema sofrem críticas de feministas brancas quando expressam feminilidade.
  • Linhas de roupa "para todos os gêneros" focam em moletons, calças largas e outras coisas "masculinas, mas aceitáveis que mulheres vistam".

Acredito que estas coisas fiquem mais evidentes quando se tratam das mesmas circunstâncias; mulheres reclamando da feminilidade de outras mulheres, homens reclamando da feminilidade de outros homens, pessoas não-binárias reclamando da feminilidade de outras pessoas não-binárias.

Se feminilidade é uma performance, masculinidade também é. E emular um "jeito de homem" não funciona pra todo mundo.

Existem, sim, aspectos que são forçados em feminilidade, e cada pessoa deve ter direito de escolher o que quer para si. Mas só porque usar roupas da seção masculina e cortar o cabelo é liberador para algumas pessoas, não significa que usar vestidos e maquiagem e ficar horas cuidando do cabelo não pode ser liberador para outras pessoas.

Acredito que mascunormatividade, assim como a manutenção de normas de gênero, a supremacia de homens, o cissexismo, o heterossexismo, a mononormatividade e o diadismo, façam parte de um sistema maior que vise o controle das normas de gênero e de relacionamentos. Isso significa que estas coisas têm algo em comum e podem ser afetadas por coisas similares, mesmo que possam afetar grupos diferentes e possam ser discutidas de forma relativamente separada.